“De que modo se reconstruir? Como refazer em si a pesada meada de lembranças?
Aquele navio fantasma estava carregado, como os limbos, de almas para nascer. Os únicos que pareciam reais, tão reais que a gente gostaria de tocá-los com o dedo, eram os que integrados no navio e enobrecidos por verdadeiras funções, carregavam as bandejas, poliam os cobres engraxavam os sapatos e, com um vago desprezo, serviam os mortos.
Não era por causa da pobreza que a tripulação menosprezava os emigrantes. Não era dinheiro o que lhes faltava, mas densidade. Eles não eram mais o homem de tal casa, de tal amigo, de tal responsabilidade. Ninguém precisava deles, ninguém recorreria a eles.
Que maravilha o telegrama que nos excita, nos faz levantar no meio da noite, nos impele para a estação: “Venha! Preciso de você!”. Descobrimos logo amigos que nos ajudam. Merecemos lentamente os que exigem nossa ajuda. Naturalmente ninguém odiava meus emigrantes, ninguém os invejava, ninguém os importunava. Mas ninguém os amava com o único amor que tem valor. Eu dizia a mim mesmo: desde a chegada, eles serão convidados para cocktails de boas vindas, para jantares de consolação.
Mas quem baterá em suas portas exigindo ser recebido. “Abra! Sou eu!”
É preciso amamentar durante muito tempo uma criança antes que ela exija. É preciso cultivar durante muito tempo um amigo antes que ele reclame seu crédito de amizade. É preciso arruinar-se durante gerações consertando o velho castelo que se desmorona, para aprender a amá-lo”.
Este trecho foi extraído do livro cuja leitura recomendo aqui: “Lettre a un Otage” (Carta a um Refém”), de Antoine de Saint-Exupéry.
Esta passagem integrou uma bonita dedicatória dirigida a mim por um amigo especial, Dr. Aloyzio Achutti, por ocasião de minha formatura, em janeiro de 2001 e faz pensar sobre os valores éticos, morais e da importância da amizade. De fato, é um enorme privilégio poder bater na porta de um amigo dizendo “Abra, sou eu!” ou simplesmente “Venha, preciso de você!”.
Mariana, em dezembro de 2010.
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