sábado, 13 de novembro de 2010

A Falsa Eternidade

 O verbo prorrogar entrou em pleno vigor,
 e não só se prorrogaram os mandatos como o vencimento de dívidas
 e dos compromissos de toda sorte.
 Tudo passou a existir além do tempo estabelecido.

 Em conseqüência não havia mais tempo.
 Então suprimiram-se os relógios, as agendas e os calendários.
 Foi eliminado o ensino de História, para que História?
 Se tudo era a mesma coisa, sem perspectiva de mudança.

 A duração normal da vida também foi prorrogada e,
 porque a morte deixasse de  existir,
 proclamou-se que tudo entrava no regime de eternidade.

 Aí começou a chover, e a eternidade se mostrou encharcada e lúgubre.
 E o seria para sempre, mas não foi.
 Um mecânico que se entediava em demasia com a eternidade aquática
 inventou um dispositivo para não se molhar.
 Causou a maior admiração e começou a receber inúmeras encomendas.
 A chuva foi neutralizada e, por falta de objetivo, cessou.
 Todas as formas de duração infinita foram cessando igualmente.
 

 Certa manhã, tornou-se irrefutável que a vida voltara ao signo do
 provisório e do  contingente.
 Eram observados outra vez prazos, limites.
 Tudo refloresceu.
 O filósofo concluiu que não se deve plagiar a eternidade.

 Carlos Drummond de Andrade 

 Contos Plausíveis, in Andrade, C. D. (1992): Poesia e Prosa, Rio de Janeiro: Aguilar,    pg. 1233.

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