Por Affonso Romano de Sant´Anna
A notícia no jornal desta semana terminava dizendo que os cientistas estão quase chegando à algo conhecido " como a partícula de Deus". E eu li isto na hora em que estava me organizando para uma conferência sobre ciência e poesia na VII Semana de Iniciação Cientifica da Universidade Veiga de Älmeida.
Então, lhes digo: aquela noticia sobre a "partícula de Deus" é poesia pura. E é ciência. Enquanto ciência a gente vê os fatos objetivos: os cientistas construiram na Europa um túnel imenso chamado LHC onde desencadearam um calor de 10 trilhões de graus Celsius para obter a matéria primordial do universo. Com isto pretendem conseguir uma "densa sopa quente de quarks e glúons, conhecida como plasma quark-glúon".
Imagino que vocês estão entendendo tanto quanto eu. O fato é que eles querem chegar à "chamada força forte- a força que une as partículas formadoras do núcleo dos átomos".
Também quero entender isto. Essa "força forte" deve ser sinônimo de Deus. E nisto a física, a poesia e a música se aproximam. Me lembro de um hino com letra de Lutero e música de Beethoven que dizia:"Castelo forte é nosso Deus". Há uns 30 anos escrevi uma crônica intitulada : "Dando de cara com Deus". E o pessoal daquele conjunto "Blitz" aproveitou essa frase num disco. Pois, eu continuo, tu continuas, ele continua dando de cara com Deus.
O cientista produz fórmulas.O artista produz metáforas.
A fórmula tenta captar com números, sinais e letras uma determinada realidade. O artista produz sons, formas, imagens, metáforas que dizem o indizível.
Vocês certamente sabiam que aquela palavra da física nuclear- "quarks" foi tirada de James Joyce, o romancista-poeta que fez com as palavras o que a física fez com átomo: desintegração/reintegração do sentido.
Vou mais longe: se os físicos procuram a fissão da matéria, o escritor, a exemplo de Guimarães Rosa, faz a fissão da palavra. Do atrito entre duas palavras, da explosão de algumas sílabas, explode um significado novo.
Isto se parece até ao fenômeno das supernovas, essas estrelas que explodiram há milhões de anos e continuam mandando luz e energia até nós. Vejam, Homero e Shakespeare explodiram há muito tempo, mas a luz que emitiram chega até nós vivíssima.
Estou quase dizendo o seguinte: o artista e o cientista estão diante do mesmo problema ou mistério. Talvez se pudesse até dizer que o cientista interessa-se pelo " por que?" enquanto o poeta interessa-se pelo "como". O cientista vai decompondo as partes, criando taxinomias reorganizando, procurando o sentindo oculto.O poeta vai por outra via, confronta-se com o todo.A ele interessa a perplexidade. Se quiserem usar uma palavra sofisticada, o artista é mais gestaltiano, ele sabe que qualquer sistema ou fenômeno é a soma de todas as partes mais um. Uma casa não é só a soma de telhas, tijolos e encanamentos. Uma pessoa não é só a reunião de músculos, ossos, sangue, etc.
Portanto, voltando ao parágrafo inicial, é possível que encontrem e descrevam racionalmente aquela partícula- "a partícula Deus. E aí vão chegar ao todo pela parte. Mas como dizia no sec. 17 o nosso Gregório de Mattos, "o todo sem a parte não é todo, o parte sem o todo não é parte". Os gregos sabiam disto. Os místicos sabem disto. Os melhores artistas sabem disto. Os melhores cientistas sabem disto.
Outro dia vi um documentário na TV Brasil sobre o "Fundo do mar". Mergulhei. Fundíssimo. Muito além do pré-sal. E vi, pelos olhos de pequeno submarino, os mais monstruosos e deslumbrantes seres que a ficção científica tenta imitar. Como se não bastassem os seres luminescentes e transparentes ainda filmaram um vulcão em erupção debaixo do oceano.
Chegaram a conclusão de que há vida em toda parte. Até mesmo onde parece não haver nada. Ou seja, o nada está cheio de vida. O nada é outra forma de tudo.
Me assombro. Mas isto não me mete medo. Me deslumbra.
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(*)Estado de Minas/Correio Braziliense, 14.11.2010.
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